quinta-feira, 31 de julho de 2008

Lei Azeredo - "Computador para fins normais"?!

"Não é que não haverá um grande impacto: não haverá nenhum impacto para aqueles que usam o computador para fins normais". As aspas são do senador Eduardo Azeredo, autor de um projeto de lei polêmico sobre crimes cibernéticos.

Ao ler esta semana uma reportagem sobre o projeto de lei, fiquei me perguntando em que século, em que mundo vive o senador? O que é usar o computador para fins normais? A quem o senador deseja punir de fato com essa lei? A quem vai beneficiar?

Tentei pensar no assunto sob todas as angulações possíveis. Logo de saída, percebi que a tarefa seria dura, porque não sei o que o autor do projeto considera normal. Ser normal é um conceito filosófico que atende tanto as normas de convivência social minimamente esperadas de qualquer ser humano, mas que também envolvem questões da ética pessoal, da educação que cada um recebeu, das suas referências para estar e ser no mundo, do grau de respeito ao outro...

Tentei por exclusão: Não é normal usar a internet para espalhar fotos de crianças sendo abusadas sexualmente. Pedofilia é crime hediondo, bárbaro. Independente das crenças de cada um, sabemos que abusar de crianças ou de mulheres, ou de idosos, ou dos mais fracos, enfim, abusar de quem quer que seja não é normal, principalmente quando existe uma desigualdade tão gritante de forças quanto entre uma criança e um adulto. Então, o senador deve se referir às pessoas que infelizmente usam o computador, a internet, para espalhar esse tipo de conteúdo. Também não é normal usar a internet para traficar drogas, prostituição, disseminar ódio racial, intolerância religiosa, homofobia. Esses crimes serão passíveis de punição e talvez dessa forma a rede se torne menos mundo cão.

Só que o projeto não é tão transparente. Se por um lado, a lei Azeredo enumera com os seus respectivos termos jurídicos os crimes acima -, os mesmos que Ongs, entidades da sociedade civil organizada, pais e mães lutam para banir da web, assim como os governos através das secretarias de segurança pública lutam para diminuir ocorrências semelhantes no mundo real -, por outro, o projeto também enquadra outras práticas no mesmo pacote. Baixar músicas em MP3 da sua banda favorita, na época em que muitos artistas já descobriram que o segredo para ganhar público é abrir mesmo as faixas dos CDs na rede, é considerado ato criminoso.

Ao não especificar o que é normal e o que não é, ao desconsiderar que censurar a internet vai torná-la um negócio inviável justamente quando se investe cada vez mais na web, a lei inverte a lógica e transforma a exceção (os criminosos que infestam o mundo virtual) em regra. Caberá ao juiz decidir o tamanho da pena de acordo com o tamanho do crime, é assim aqui fora, mas alguém já percebeu que juizes são humanos? E que se a legislação tem brechas, é falha, as possibilidades do juiz também falhar são ilimitadas?

Qual o limite que separa o aficccionado por música que construiu para seu uso próprio um acervo, do criminoso que utiliza a pirataria para lavar dinheiro do tráfico? Quem está habilitado, capacitado para estabelecer esse limite? Não corremos o risco de fazer "justos pagarem pelos pecadores"? A imprecisão do projeto pode criminalizar o simples ato de acessar um site sem a autorização do dono.

A campanha de entidades como a SaferNet e outras que militam em prol de uma internet livre de criminosos mas não censurada é para que o projeto seja discutido, para que a sociedade opine, contribua. Acredito que os usuários "normais" têm muito a dizer. As quase 28 mil denúncias de violação dos direitos humanos na web provam que a maioria dos usuários quer banir os criminosos, mas sem que para isso, todo internauta passe a ser visto como um criminoso em potencial só por contrariar o que o senador Azeredo considera "uso normal do computador".

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