sábado, 9 de agosto de 2008

GOL (Grande Ônibus Lotado) - I

Da série Crônicas do Cotidiano

Certas histórias, de tão reais, parecem pura ficção.


Noite chuvosa. Daquelas que caem pingos finos insistentes, ensopando sapatos e roupas. Daquelas que deixam pessoas com frio e senso de humor abaixo de zero na escala de felicidade. Ponto de ônibus de Salvador, nas imediações de um grande shopping center. Chega o ônibus, muito cheio, lotado, mais pessoas entram apesar de não caber mais ninguém. O motorista não pode "queimar o ponto" porque para cada parada que ele não faz, alguns reais saem do seu salário se ele for denunciado, por exemplo, por aquele passageiro ali, muito cansado, que deseja chegar em casa e está disposto até a ser mais uma sardinha na lata e viajar sufocado pelos vidros fechados, devido à chuva, e espremido entre outras sardinhas como ele. Entra uma senhora, aparência de cinqüenta e muitos anos, cara de poucos amigos, com um guarda-chuva gigantesco, que mais parece uma lança. Busca um cantinho para se acomodar e seguir viagem, lenta viagem de mais de 50 minutos, contando com engarramento, sinaleiras, paradas. Encontra um espaço minúsculo e vazio ao lado de uma moça. Com jeitinho daria para se encaixar ali, livre de cotoveladas e pisadelas no pé. Mas o guarda-chuva, em riste, tal qual a lança do cavaleiro antes da batalha, espeta as costelas da moça. "Senhora, por favor, seu guarda-chuva está me machucando". "Se não quer pegar ônibus cheio ante de táxi!", é a resposta mal-criada. Tudo bem, pensa a passageira mais jovem, ela está na sintonia errada hoje, está ensopada, chateada. Não entra nessa sintonia, segue viagem olhando as gotas de chuva nos vidros, cantarolando "Candella" uma rumba muito gostosa do CD de Buena Vista Social Club.

2 comentários:

nobicodourubu disse...

tecer críticas? Depois de me 'pocar' de rir dessa comédia da vida privada postada pela fadinha? Um tanto quanto impossível. Mas vale uma observação: as "tias" e os "tios" segmento etário e social no qual me incluo, às vezes se acham uma casta anos-luz melhores que os moços e moças. Daí, vai ver, tamanha intransigência. Mas me explica: como conseguistes ouvir Buena Vista Social Club enquanto construia tamanha pérola?

Andreia Santana disse...

Estava ouvindo Buena Vista enquanto exercia a minha dura sina de observadora-personagem da situação. Tava ouvindo no Buzú mesmo, enquanto o pau quebrava, rsrsr.