terça-feira, 2 de setembro de 2008

O que aprendi com os ratos

As quase 250 páginas de O fabuloso Maurício e seus roedores letrados - não é porque é livro de criança que tem de ser pequeno - me ensinaram que ratos podem ser mais humanos que gente. Parece lugar comum e soa meio sem inspiração iniciar uma postagem de forma tão pouco impactante, mas a intenção de Terry Pretchett é mostrar o quanto o ser humano pode ser a mais cruel das criaturas, principalmente com outras criaturas menores que ele próprio. Até aí nenhuma novidade, outros autores já fizeram isso, inclusive aqueles que escrevem para adultos, e com grande eficiência.

A história: O gato Maurício e um grupo de ratos comuns, "ordinários", que viviam em um monte de lixo, comem substâncias tóxicas, sobras do caldeirão de bruxos e outras coisas inomináveis que só o ser humano é capaz de descartar na natureza. De repente se vêem capazes de pensar, falar e sentir na tradução mais ampla da palavra. Sentir como os humanos sentem, ou melhor, sentir como os humanos deveriam sentir. Diante dos novos poderes e tendo vivido nas ruas e visto de perto o que são as pessoas, como se comportam umas com as outras e que tipo de esquema armam para levar vantagem sobre seus semelhantes, Maurício convence os ratos, auto-denominados Clã dos Mutantes ou Ratos Letrados, a criarem um simulacro do Flautista de Hamlin. Encontram um garoto-com-cara-de-bobo, órfão sem eira nem beira como eles próprios, e juntos partem para cidades onde a intenção é tirar dos ricos (do governo) e dar aos pobres (nesse caso, Maurício, o garoto e os ratos). Os roedores invadem, fazem a maior bagunça, o garoto toca a flauta e eles saem da cidade. O gato recebe o pagamento, já pensando na aposentadoria e nas velhinhas doces que irão enchê-lo de leite morno. O plano funciona bem até chegarem a uma cidadezinha perdida no mapa dos países sem nome da ficção e descobrirem que em matéria de pequenas - e grandes - trapaças, ninguém supera o bicho homem. A sinopse fica por aqui. Quem quiser saber como acaba, corra até a livraria mais próxima e compre o livro com a desculpa de que é para o sobrinho ou filho caçula. Os corajosos podem comprar para si mesmos, vale a pena.

O que aprendi com os ratos -
Acredito que os ratos de esgoto que infestam as cidades, fruto da própria desorganização da humanidade e da sua produção desenfreada de lixo, não sejam tão simpáticos quanto os ratos letrados. Peste bubônica e leptospirose não são resfriados comuns. Mas, não seriam os roedores apenas o simulacro daquilo que nós, que vivemos na superfície, somos de fato? Seres dispostos a tudo para sobreviver? Até devorar a si mesmos? Pois é, ratos famintos comem ratos. Humanos ambiciosos comem humanos. E assim, as duas espécies vão trilhando seu caminho neste mundo. Os ratos letrados desenvolvem a consciência e com ela algo que a humanidade esqueceu: solidariedade. "Nenhum rato deve comer outro rato". "Ratos não deixam outros ratos para trás". Na cidadezinha afundada nos pequenos truques sórdidos que vizinhos armam contra vizinhos, é dos ratos que vem a lição para reconduzir o ser humano à sua humanidade perdida.

Para quem quer comprar:
O fabuloso mauricio e seus ratos letrados
Literatura fantastica
Conrad Editora
248 paginas
R$ 29,00

Nenhum comentário: