Chego em casa depois de um dia longo. Oito horas de aula (intervalo para o almoço) sobre jornalismo digital, um assunto que não é dos piores que existem neste mundo, mas também não é dos mais fascinantes, pelo menos para quem prefere uma boa prática às teorias massantes. Na aula, o professor falava sobre interatividade e citava os call centers como exemplo de não-interatividade. Não são mesmo interativos, não no sentido literal da palavra. Ser atendido por uma criatura que fala por meio de gerúndios e que é incapaz de responder qualquer coisa que fuja do script, não é nem um pouco interativo. É frustrante, é chato, é enervante, mas não é interativo. Creio que ser atendido pelo robô que fica tagarelando em voz monocórdia, te-cle um, te-cle qua-tro, soa mais interativo do que falar com um atendente de call center. Coitados, são trabalhadores ganhando a vida, mas bem que eles podiam ser ao menos mais bem-informados, capazes de um diálogo, mesmo que dure 45 segundos (está na lei sancionada pelo presidente Lula). Pois bem, chego em casa após a aula em que passamos ao menos uma hora inteira desancando os call-centers e seus pobres atendentes. E, que surpresa, que ironia perversa, o destino é mesmo um jogador afeito às piadas sem graça. Recebo o recado de que ligaram do call center do meu banco e pedem retorno. Primeira providência: um rápido exame de consciência para lembrar se andei estourando alguma coisa para além dos mediocres limites que a sociedade impõe para que uma criatura gaste o próprio dinheiro. É que tem de sobrar o das taxas e impostos, sempre esqueço essa parte. Consciência limpa, retorno a ligação. O diálogo, um tanto modificado pela memória traiçoeira e pela capacidade de ser auto-indulgente que todo ser humano tem, foi mais ou menos assim:
Eu - boa noite, ligaram para a minha residência pedindo retorno para este número, quero saber do que se trata...
Atendente - A senhora poderia estar me passando seu nome completo e telefone por favor...
Eu - (suspiro exasperada, devido ao gerundismo, e respondo os dados solicitados)
Atendente - um momento por favor, senhora. Vou estar verificando o problema.
A essa altura eu maldigo a língua inglesa e os seus i'm going get que deram origem ao gerundismo dos serviços de atendimento ao consumidor no Brasil. A atendente retorna.
Atendente - Senhora, eu não tenho registro do assunto que iriam tratar com a senhora, vou estar registrando a sua ligação, anote o protocolo por favor...
Eu - (pasma, chocada e com a sensação de que perdi tempo precioso) - Me diz uma coisa, é comum vocês ligarem para a casa das pessoas, solicitarem retorno das ligações e depois não saberem porque mandaram a pessoa ligar de volta?
Atendente - (pausa...) - Senhora, como eu disse, não tenho acesso aos seus dados e nem ao motivo da chamada, mas vou estar registrando...
Eu - (já irritada, interrompo a frase decorada da moça e vou direto na jugular) - Certo, essa parte eu já entendi, mas agora quero que você me responda a pergunta que eu te fiz, vou simplificar pra você entender melhor: é prática desta instituição financeira ligar para os clientes, num sábado à noite, e ainda pedir retorno da ligação?
Atendente - (voz tremida de quem está nervosa e não sabe o que responder) - Um momento senhora, que eu vou estar checando essa informação...
Eu espero, espero e espero. Sem música, ainda bem, porque esperar com música tem efeito devastador sobre meus nervos. A atendente volta mais uma vez.
Atendente - Senhora, é prática deste banco ligar para os clientes, mas infelizmente não tenho como saber para quê ligaram para a senhora. O que eu posso fazer é estar passando para a senhora o telefone da sua agência.
Eu - Não precisa querida, eu tenho o telefone da agência, da gerente, do marido dela, da sogra e até o celular do cachorro. Pra poupar tempo, eu vou desligar o telefone agora certo? Daí você não precisa me dizer mais meia dúzia de gerúndios e eu não preciso ouvir aquela gravação pedindo para que avalie o serviço de vocês. Pelo tom da minha voz, você já deve saber o que eu penso sobre o assunto...
2 comentários:
Acredite que eu já estou,com a reprodução do seu diálogo, antecipadamente irritado com uma possível necessidade de ter que conversar com uma dessas atendentes. Imagino sua impaciência. Elas dão nos nervos.São mais enervantes que o barulinho do motor do dentista, ou o som de um pagodeiro.
Com certeza, ontem eu paguei mais uma dúvida kármica.
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