sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Bento XVI, holocausto e limites ao direito de discordar

Da série, o pior cego...

Uma discussão entre três colegas de trabalho, um deles era obviamente eu, que uma hora dessas vou acabar com fama de encrenqueira...inspirou esse post, que volta a tocar na questão da ferida aberta da II Guerra Mundial e na sua mais sangrenta chaga, o holocausto. O motivo da discussão: Bento XVI, o papa Ratzinger, que embora seja tão conservador quanto o papa Karol, não tem o carisma de papai noel de João Paulo II. Pois bem, o papa Ratzinger reabilitou um bispo excomungado pela igreja. O bispo, por sua vez, defende que o holocausto não existiu e que as câmaras de gás nazistas são ficção. Contrariando os fatos, comprovados por videos, fotos, documentos, testemunhas ainda vivas - a guerra começou há exatos 60 anos, em 1939 -, o bispo se acha no direito de negar a existência de um dos maiores exterminios que a humanidade já presenciou, depois do genocidio indigena praticado por portugueses, espanhóis e americanos nas três americas e da diáspora que dispersou pelo mundo 10 milhões de africanos para servirem de escravos nas lavouras e minas, matando milhares em travessias tormentosas pelo Atlântico. Pois é, existem feridas na história da humanidade que não fecham nem com pontos cirúrgicos.

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Um dos colegas envolvidos no debate defendia o direito do bispo de discordar do holocausto e citava como exemplo o fato de na Áustria historiadores serem presos por contestar o número de mortos judeus: seis milhões. A premissa básica do discurso do colega é a liberdade de expressão, de que todo mundo tem direito de manifestar opiniões. Defendo até a morte a liberdade de expressão, mas há limites. Hitler teve toda a liberdade de expressão do mundo para escrever Main Kampf e o resultado é o desastre que já conhecemos. A Klu Klux Klan, os neo-nazistas, todos abusam da liberdade de expressão, e o resultado é igualmente ignóbil. Não custa lembrar também que esses citados, geralmente, impedem que os defensores dos direitos iguais para todos os cidadãos (a Declaração Universal dos Direitos Humanos, lembram?) usem a abençoada liberdade de expressão, na maioria das vezes recorrendo ao cerceamento das liberdades civis e a tortura. Pois é, poder todo mundo pode dizer o que bem entender, mas aí entra a questão ética, mas todo mundo deve realmente dizer o que pensa? Certas idéias, já afirmei de outras vezes, são perigosas demais para serem incentivadas, mesmo que em nome de uma defesa sem limites da liberdade de expressão. Nesses casos de ultra-radicalismo, concordo que o discurso deve ser silenciado sim, o mais rápido possível, antes que contamine outras pessoas, que contagie um país inteiro, como ocorreu na Alemanha nazista. Justiça seja feita, houve sim, alemães que se horrorizaram diante do regime. Houve quem foi obrigado sob ameaças, a colaborar, claro, os alemães não podem todos ser condenados como se todos fossem iguais. Mas não se pode negar que uma parte significativa do país aderiu e disseminou essas ideias. Tanto que ainda há quem defenda, nos dias de hoje, quando os porões de tortura e morte foram revelados!

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Um historiador, ou bispo, ou seja lá quem for, que nega o holocausto, também está negando a escravidão negra ou o genocídio indigena. Se foram seis milhões de judeus, se foi um milhão, que tenham sido dez mil, ou 500 pessoas, não importa, o que importa de fato é que seres humanos foram mortos, escravizados, dizimados em nome de ideias equivocadas de que existem raças superiores, pessoas fadadas ao sucesso e párias que devem ser eliminados ou subjugados à condição de servos. Esse tipo de ideologia é o que permeia, nas entrelinhas, o discurso de quem fica se apegando aos números para questionar um fato. Se foram dez milhões de africanos ou se foi só a metade disso, o que importa diante dos problemas de uma África que até hoje sofre as consequências de séculos de tráfico de seres humanos? E nas Américas, aqui pertinho, alguém vai dizer que a colonização das três américas foi uma bela história de colaboração entre índios e brancos em nome da construção de nações evoluídas e prósperas?

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Me surpreendo ao perceber que as pessoas se irritam com os movimentos negros, ou com os movimentos indigenas ou ainda, que se irritam com o fato dos judeus ainda chorarem seus mortos e cobrarem reparação. O argumento é que ciganos, mendigos, deficientes também foram exterminados nas câmaras de gás, nos fornos crematórios, nos paredões de fuzilamento e que ninguém lembra dessas outras minorias. Sim, eles foram sim, vítimas também nessa circunstância. Os ciganos aliás, são perseguidos e considerados páreas desde a sua origem, na Índia, antes de Cristo. Espalhados pelo mundo, em eterna vida errante, ainda são associados ao crime, ao sequestro de crianças e a outras barbaridades. Ninguém desconsidera o sofrimento deles ou ignora que a fixação de Hitler por uma raça de campeões excluia qualquer pessoa considerada "defeituosa". O que também não era uma ideia original dele. Basta conhecer o mínimo de história e olhar para Esparta, que literalmente jogava aos lobos as crianças que nasciam com deficência física ou mental, tudo em nome da beleza clássica e da proeficiência militar. Ao colocar lentes de aumento no extermínio de judeus ou na escravidão negra, nenhuma pessoa de bom senso desconsidera outros povos que foram perseguidos ao longo da história, mas fatos marcantes, cenas de horror como as do nazismo e dos navios negreiros, são mais dificeis de serem apagadas e por doerem tão fundo, jamais serão esquecidas.

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