segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Estamos novamente em campanha

Meu bairro hoje amanheceu embrulhado em santinhos. Estamos em campanha, não eu, a cidade, todos nós, feliz ou infelizmente. No muro da padaria, dezenas de caras redondas de um candidato sorridente me deu bom-dia. Não lembro o nome dele, nem o número, muito menos o partido. Lembro apenas que pensei, ai meu Deus, a campanha já chegou por essas bandas. Logo adiante, depois da padaria, o muro que cerca o canteiro de uma obra estava pintado. Não eram avisos de "cuidado, homens trabalhando". Mais nomes e números de candidatos dos quais não me recordo. Algumas janelas dos edifícios da minha rua também exibiam bandeiras de candidatos, com nomes e números e partidos. E tudo o que eu consegui pensar, sem um pingo de patriotismo, muito menos civismo, admito, é que teremos dois meses de ruas sujas e árvores cortadas para fazer santinhos de candidatos de cara redonda, lustrosa e sorridente. Pensei em Saramago, em Ensaio sobre a Lucidez. O livro começa com uma eleição para um cargo administrativo numa cidade perdida na geografia não referenciada do escritor. Um lugar que pode ser em qualquer país, mas que os leitores sempre imaginam como sendo Portugal, a pátria do escritor, mas que pode ser também o Brasil, a pátria dos leitores dele que eu conheço. Na eleição de Ensaio sobre a Lucidez, toda a cidade decide votar em branco. Nem um voto é dado a candidato nenhum, simplesmente, voto a voto, os papeizinhos que saem das urnas estão imaculadamente brancos. É o que basta para que se monte um aparato que envolve governo, forças armadas, psicanalistas, espiões de agência secreta, enfim, todo o alto comando do sistema se une para descobrir onde está a célula terrorista que espalhou a doença do voto em branco, quem teve a ousadia de protestar contra os candidatos, de questionar o sistema, simplesmente se recusando a votar. Comparecer à repartição para assinar o título de eleitor é obrigatório no país ficticio de Saramago e no meu também. Mas daí a escolher entre o ruim e o pior de todos são outros quinhentos trocados em miudo. Lembrei da minha adolescência, no século passado, e da grande campanha que uma professora "subversiva" captaneou na escola, usando seus adolescentes e apaixonados alunos como cabo eleitorais. VOTE NULO. Grandes cartazes de cartolina, o símbolo do Anarquismo (graças a Deus!!!!!) desenhado com caneta piloto preta. Era uma escola pública, eram alunos adolescentes negros e brancos pobres, "que são quase pretos", cujos pais bradavam em casa que não acreditavam mais no sistema, mas que não sabiam como fugir do dito cujo. Era a geração do Impeachment de um presidente sabiamente orquestrado por uma grande campanha de marketing que olha só, fez os adolescentes acreditarem que foram eles que tiraram o presidente! Senti saudades daquela época em que eu era ingênua a ponto de acreditar que meia duzia de cartolinas pintadas iriam mudar os rumos de uma eleição. Infelizmente, minha consciência ecológica era menor do que a paixão pelo ato de protestar contra o SISTEMA, ele, o grande irmão, em letras imensas e milhões de idéias de estudante pobre que lia George Orwell na biblioteca da escola. Se eu tivesse a consciência ecológica de hoje, não desperdiçaria tantas árvores fazendo cartazes. Vem daí, das folhas mortas, prensadas e transmutadas em celulose, a minha irritação com os santinhos dos candidatos. Vem disso e da cara de pau das criaturas, das mesmas promessas de sempre... "Mas é pelo voto que podemos mudar essa realidade". Hum rum, siga em frente, vá lá e vote. Eu gostava mais das cédulas de papel, onde era possível desenhar o simbolo do anarquismo, só por nostalgia.

2 comentários:

nobicodourubu disse...

o grande lance, moçoila, é que a vila laura vem perdendo seu bucolismo e ganhando olhares gulosos: de candidatos, incorporadores, aproveitadores, especuladores... enfim, como uma criança adolescendo, vai perdendo sua inocência e vira alvo de tudo aquilo que a cidade tem de ruim. gostei da observação de que todas as caras são sorridentes de qualquer ângulo que se olhe (quando se tem a coragem de encará-los).

Andreia Santana disse...

É verdade, minha rua agora tem prédios com elevador!!!