Alguém, entidade onipresente sempre que se precisa apontar um responsável, tinha de levar a culpa pela crise. Lógico, não seria uma crise de dimensões mundiais, derrubando bolsas em países onde nem se imagina que existem investidores estrangeiros, se diversos "alguéns" não fossem direta ou indiretamente responsabilizados pela queda do império americano. Duvido de verdade que tenha caído, mal e mal balançou nos alicerces. Mas, ao dividir sua crise, só sua, pessoal e intransferível, com o resto do globo, tio Sam garantiu longevidade por mais alguns pares de décadas. E a desculpa é perfeita: globalização, essa outra entidade onipresente que serve tanto para transformar o mundo na aldeia global de McLuhan, todos se relacionando felizes via internet, o mundo inteiro ao clique do mouse, quanto para provocar reações em cadeia toda vez que um presidente americano gasta mais do que devia invadindo o país alheio. Pois é, com a globalização dividindo as delícias da tecnologia e as agruras da crise, existe um alguém dentro de cada habitante deste planeta, até mesmo os ainda não-nascidos. Eu sou alguém, você que tem paciência de ler minhas mal-traçadas linhas também. Somos todos responsáveis pela crise. Claro, nós consumimos, nós compramos, mas ainda assim, não estamos gastando tudo o que deveríamos gastar. Você já trocou seu carro este ano? Não???!!!, Ora, então se não fez sua parte, não reclame da Ford ter dado férias coletivas para seus operários e nem fique triste de seu irmão, que trabalha na concessionária ao lado, perder o emprego porque o dono da loja alegou que estamos em recessão. Vamos gastar minha gente, vamos extorquir as últimas reservas deste planeta doente, é a única forma de matar a crise com um tiro no peito. Estamos em crise, mas o meu bairro virou um gigantesco canteiro de obras. Torres de luxo invadem o espaço antes ocupado por simpáticas residências com quintal e varanda. Mas estamos em crise e me pergunto se as pessoas que lotam os estandes de venda dos novíssimos prédios da Vila Laura, ávidas por garantir seu pedaço de paraiso com salão gourmet, sauna e salão de festas, sabem disso? Me pergunto também quantos meses faltam para o presidente fechar a torneira do bolsa esmola, ops, bolsa escola e anunciar comovido para toda a nação que: Um, ele não sabia de nada; dois, ele nunca pensou que a crise chegasse ao Brasil, afinal somos uma economia forte; e, três, ele sente muito pobres do país, mas terá de dar um freio nos projetos sociais porque precisamos injetar dinheiro em algum fundo perdido internacional para ajudar os Estados Unidos a sairem da crise. Coitada da classe média americana. Li em algum lugar, ou foi um colega de redação que comentou, que a crise se torna realmente grave para eles quando a classe média de lá precisa abrir mão de um dos três carros da garagem. Pois é, e você, caro leitor, nessa casquinhagem, sem querer trocar seu carro, sem querer comprar seu apartamento de altíssimo luxo no Horto Bela Vista, deixando automóveis novínhos da silva encalharem nos pátios das concessionárias, desempregando o irmão vendedor do seu vizinho. Que papelão heim, se recusando a participar da lógica que comanda nossa sociedade autofágica e totalmente centrada na relação "compre mais que fabricamos mais e assim garantimos seu emprego. Quanto ao planeta, não se preocupe, vamos invadir Marte antes que os marcianos nos invadam"!
P.S.: A título de informação complementar: não troquei meu carro porque nunca tive um e mesmo que tivesse, de pouca serventia ele me seria, pois não sei dirigir, portanto, sim, eu sou um dos alguéns culpados pela férias coletivas da Ford.
2 comentários:
Desde que desembarquei neste planeta eu ouço esses caras, sempre os ricos, falarem de crise.Os pobres e miseráveis são sempre as vítimas dos desmandos que engendram essas crises.Eles,os criadores, continuam comendo caviar e escolhendo na carta de vinho, o mais caro, enquanto discutem que fim terá a "crise". Bom, pra não fugir à regra, eu, apesar de não ser rico, também sempre andei em crise.O que eu temo, mesmo, é pela crise do planeta. O dia que ele, como um imenso cachorro, se irritar e sacudir-se jogando fora essas pulgas que o incomodam.
Também tenho medo desse dia, quando a terra resolver se rebelar de vez, algo que ultrapasse a zanga de um tsunami.
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