Da série, histórias que ouvi de amigos
Vittorio de Luca foi um grande amigo. A amizade permanece, mas nossos caminhos se descruzaram vida afora. O oceano Atlântico nos separa e, como ele é decididamente analógico, a internet não encolhe a distância. Mas, apesar de, por filosofia de vida, Vittorio não usar nem relógio, celular ele sempre teve. Me contou uma vez, enquanto tomávamos água de coco no Farol da Barra, que o pai dele, um italiano que na época dessa história tinha mais de 80 anos, nunca conseguiu acreditar que celulares existem de fato. Quando o meu amigo vinha passar férias na Bahia e ligava para Nápolis, o pai não aceitava que através daquele aparelho fosse possível falar e ouvir seu filho como se ele estivesse ali do lado e não a milhares de quilômetros. Era ato de magia, arte de prestidigitação e pronto!
Lembrei do pai de Vittorio por causa de um texto de Lúcia Santaella que estudo para as aulas da pós. Trata das novas tecnologias, do celular como uma invenção que, ao contrário das outras parafernálias, que a princípio causam estranheza, caiu no gosto popular justamente por sua relação de presença-ausência. "Estou onde me chamam e estou no lugar de onde sou chamado, ao mesmo tempo". Tamanha onipresença, em toda parte, a todo momento, faz o ser humano sentir-se Deus. A comunicação é permanente, sempre disponível, diz a autora. Eu acrescento: permanente e disponível enquanto EU desejo manter o aparelho ligado. A chave da conexão, por mais evoluídas que sejam as máquinas, ainda pertence a vontade humana. Que assim seja!
3 comentários:
Engraçado que fui lendo este texto pensando exatamente no que você colocou no final. Somos onipresentes enquanto nos é conveniente, porque a um simples clique no botão de desligar, desaparecemos no mundo mais uma vez. Acho que isso ajuda a popularizar o celular... Nos sentimos poderosos, achamos que comandamos o aparelho e a onipresença... mas ele está tão intrincado em nossas rotinas que tlvz a relação seja inversa... e poderoso mesmo seja o celular.
Alane
É preciso ter muito poder de decisão para não permitir que o sentimento de urgência que caracteriza a vida moderna nos escravize.Mas, concordo no que tange ao poder desse aparelhinho ser tão poderoso,capaz de nos manter como suspensos nos ar. Estamos sempre esperando que ele toque e nos traga boas notícias. Da mesma forma que esse mesmo toque pode nos causar apreensão.É díficil, depois que ele passa a ser extensão do próprio cérebro, linkando-nos às emoções.
Ops, desculpem pela redundância no meu post. ...poder desse aparelhinho ser tão poderoso...
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