segunda-feira, 19 de janeiro de 2009
Reflexões sobre o estar no mundo
Condomínios de luxo privatizam pequenas zonas de vegetação, remanescentes da antiga Mata Atlântica que na época dos tupinambás, fazia da costa baiana (de todo o litoral brasileiro, na verdade) um grande lençol verde esmeralda. Já falei do advento dos vilas privilege e hortos bela vista em outras ocasiões e do quanto me causa espanto ver a paisagem da região onde moro alterada por canteiros de obras que se multiplicam velozmente. Saramago, antes de mim, registrou em A Caverna, suas impressões a respeito dos grandes complexos more-trabalhe-e-divirta-se no mesmo espaço. No entanto, com a leitura de Tempos Líquidos, que eu finalmente terminei -, apesar das suas 120 páginas, certas leituras levam mais tempo devido ao seu grau de complexidade e a necessidade de esforço intelectual maior para apreender o sentido -,volto ao tema agora ancorada pelas palavras de Zigmunt Baunam. Certamente vou buscar outros livros deste sociólogo polonês, sobrevivente do Holocausto. A Zahar editora, a mesma que publicou Tempos Líquidos, tem outros títulos do autor que despertam curiosidade: Amor Líquido; Comunidade; Em Busca da Política; Europa; Globalização: As Consequências Humanas; Identidade; O Mal-Estar na Pós-Modernidade; Medo Líquido; Modernidade e Ambivalência; Modernidade e Holocausto'; Modernidade Líquida (citado por Lúcia Santaella no seu Linguagens Líquidas na Era da Mobilidade); Vidas Desperdiçadas e Vidas Líquidas. Eu tenho a mania de esgotar um autor até conseguir apreende-lo inteiro, ou pelo menos aquilo que me julgo capaz de apreender. Mas, voltando aos complexos more-trabalhe-e-divirta-se aqui, que eu carinhosamente chamo de "sociedade de meninos da bolha", o tema a que Bauman me levou a refletir é sobre o estar no mundo dos moradores dessas ilhas de progresso, segurança e bem-viver. Segundo o sociólogo, os moradores dos mega-complexos habitacionais, com suas câmeras de vigilância, seguranças cercando todo o perímetro da propriedade e seus serviços de primeiríssima linha todos confinados intra-muros, transformam a todos nós, que vivemos fora da bolha, em refugiados do lado de cá das cercas de um campo semelhante àqueles que amontoam homens, mulheres e crianças no Quênia, guardadas as devidas proporções, lógico, porque alguns de nós, moradores do lado de cá dos muros, conseguimos sobreviver com muito mais conforto que os enjeitados pela globalização que buscam refúgio em campos sem a menor condição de moradia, que dirá de preservação da identidade, da dignidade humana. Aqui mesmo, no mundo real extra-bolha, basta andar nas ruas para ver que as nossas reclamações de classe trabalhadora, com o cartão de crédito estourado e o salário insuficiente para manter uma família sem entrar no vermelho ao menos uma vez por mês (geralmente no final, quando o salário acabou), não passam de choradeira com a barriga muito bem forrada, diante do quadro de degradação que se espalha pelas esquinas, de mãos estendidas. Tudo o que escrevo aqui, talvez sirva apenas para apaziguar minha consciência de quem tem onde morar, come no mínimo três vezes por dia e está inserida no universo virtual, navegando com uma certa desenvoltura na rede de conexões em que a vida moderna se transformou. Não estou dentro da bolha, mas também não sou refugiada social. Eu e boa parte das pessoas que conheço estão no meio termo, rejeitam o luxo desmedido dos mega complexos, ninguém precisa de tanto para viver, mas também não querem, jamais, experimentar a miséria extrema na própria pele. É angustiante, mas há que se manter a esperança.
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