Da série Crônicas do Cotidiano - final
Do fundo do coletivo, chegam novos soldados para a cruzada e trazem como armas o golpe baixo da ironia e do deboche. "Deixa pra lá 'cobra', ela tá reclamando porque é velha, feia e acabada, tá com inveja da outra que é nova e gostosa". A moça que segue ouvindo o CD de Buena Vista pensa com seus botões. "Minha tia, a senhora podia ter passado a noite sem ouvir essa". Fones protetores contra as lástimas do mundo nos ouvidos, a moça espetada pelo guarda-chuva, por uma fração de segundos em que a perversidade aflora e sufoca todo desejo de elevação espiritual, ainda pensa: "Tá vendo, seu troco por ter quase me empalado é passar por essa humilhação". Mas como o lado bom das pessoas sempre se sobrepõe ao lado cruel - pelo menos nas teorias de Erasmo de Roterdã -, ela desce do ônibus, no seu ponto próximo a Ladeira dos Bandeirantes, comovida com a situação triste vivida pela senhora que estava em um dia ruim. Não consegue porém, deixar de rir do ridículo da situação que acaba de presenciar e convencida de que resultado melhor não poderia haver para a querela. "Na disputa entre a gostosona do cobrador e a tia mal-humorada, ganha quem tiver o corpão mais sarado. Nada mais justo numa sociedade que cultua a aparência e se torna cada vez mais rasteira".
Um comentário:
que sociedade mais triste, essa em que vivemos.
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